Cadernos do Centenário

Saramago em Caricatura

Ao longo dos anos, têm-se sucedido, em diferentes suportes e contextos, as caricaturas de José Saramago. No seu conjunto, elas traduzem um processo de consagração muito significativo, quantitativa e qualitativamente. Por isso mesmo, no âmbito do Centenário de Saramago, procedeu-se à recolha de caricaturas do escritor, com proveniências muito variadas (mas com destaque para o universo ibero-americano), uma recolha que revelou estilos e óticas representacionais muito diversas.

O que justifica que se proceda à referida recolha? Ela obedece, antes de mais, a um propósito de salvaguarda documental, encontrando-se agora o conjunto assim constituído arquivado na Fundação José Saramago. Por outro lado, não sendo entendida como um corpus fechado, a coletânea de imagens-caricatura sempre poderá ser ampliada e trabalhada com ferramentas e com recursos humanos adequados.

Tendo origens e registando manifestações mais antigas do que à primeira vista poderia pensar-se, a representação caricatural ganhou um impulso especial do século XIX em diante, desde que ocorreram dois fenómenos conjugados: primeiro, o desenvolvimento da imprensa e, com ela, de dispositivos gráficos progressivamente aperfeiçoados, no tocante ao tratamento da imagem; segundo, a amenização ou o desaparecimento de mecanismos de censura, permitindo à caricatura desempenhar um papel interventivo na vida pública, em particular no campo político. Essa intervenção teve, com frequência, uma dimensão satírica eventualmente demolidora, o que não impediu que, associada à estética do retrato e dependendo dos contextos, a caricatura pudesse ser (como foi) um instrumento de consagração e mesmo de institucionalização das figuras representadas.  O caso do Álbum das Glórias, com o inconfundível traço de Rafael Bordallo Pinheiro e com a colaboração de diversos escritores, é muito significativo, deste ponto de vista.

A retórica da caricatura exerce-se muitas vezes sobre personalidades da vida real e não se confunde com o chamado cartoon (embora possa ter em comum com ele a feição satírica). No caso de José Saramago e como é próprio da técnica caricatural, foram acentuados os atributos físicos da pessoa propriamente dita, neste caso com eventual alusão, também por via iconográfica, a temas, a espaços ou a situações distintivas da sua obra.

Sendo dotado de conformação física relativamente marcada, Saramago foi uma figura muito apelativa para os muitos artistas que souberam destacar aquela conformação, sem nesse destaque investirem propósitos de irrisão ou de índole depreciativa. Em vez disso, as caricaturas de Saramago contemplam preferencialmente dois componentes importantes da sua biografia literária e pessoal: a escrita e a intervenção cívica e política. Outros temas podem, contudo, depreender-se destes dois aspetos, por certo os mais relevantes. O seu estudo sistemático está em aberto e pode ser favorecido pelo corpus de que agora se dispõe, desejavelmente completado por outras indagações.

 

Carlos Reis, Comissário para o Centenário

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Imagens: Rui Zilhão (Portugal), Mauricio Parra (Colômbia) e Ahmad Rafiei (Irão)